Faro de gol e medo de altura: irmãos que jogaram com Ronaldo relembram histórias dos tempos de São Cristóvão e Inter de Milão

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Segunda-feira, 6 de junho de 2011 - 09h31       Última atualização, 06/06/2011 - 11h19

Faro de gol e medo de altura: irmãos que jogaram com Ronaldo relembram histórias dos tempos de São Cristóvão e Inter de Milão

Foto: Romulo Tesi/eBand Zoom Julio Cesar segura camisa autografada dada de presente ao seu pai, Geraldo Julio Cesar segura camisa autografada dada de presente ao seu pai, Geraldo

Romulo Tesi

esporte@band.com.br

No segundo tempo de um jogo beneficente da Inter de Milão, Ronaldo deixou o campo no segundo tempo para dar lugar a outro brasileiro, o então jovem zagueiro Julio Cesar, de 17 anos. Ao ver que sairia, o Fenômeno correu para tirar suas chuteiras e entregou para o substituto, que sofria com calçados pouco confortáveis. O ano foi 1997, mas o estádio e o adversário são detalhes que fogem à memória do ex-defensor, naquele momento simples, mas marcante para ele e de significado especial. Ronaldo dificilmente se lembrou e nem passou pela cabeça de Julio, mas a simples troca de chuteira ajuda a ligar duas pontas de uma história de amizade e cooperação em família que começa muito antes, nas divisões de base do São Cristóvão.

Ronaldo começava a carreira de jogador de campo, pobre e franzino, no clube da zona norte do Rio de Janeiro, em 1990. Antes de um jogo, um dos zagueiros do time, Geraldo Júnior, irmão mais velho de Julio, ganhou do pai, também chamado Geraldo (já falecido), uma chuteira nova, que não caiu bem nos pés do garoto. Na mesma hora, o “paitrocinador” mandou o filho tirar o calçado e entregou o presente a Ronaldo.

“O São Cristóvão não tinha muitos recursos e quem ajudava muito eram os pais dos jogadores. Com o Ronaldo, todo mundo ajudava um pouco”, lembra Geraldo Junior, conhecido pelos amigos somente como Juninho, companheiro do atacante nos primeiros anos de bola nas divisões de base.

Em pouco menos de três anos de convivência, Juninho colecionou boas histórias com Ronaldo, que já dava sinais de que o acanhado campo da rua Figueira de Melo seria pequena para tanto futebol. “A arrancada que ele dava no auge era a mesma do tempo de garoto”, diz Juninho, ciente de ser testemunha do nascimento do Fenômeno, quando o amigo mal tinha dinheiro para ir treinar.

Misto e refrigerante

A loja de autopeças de Geraldo, na rua Figueira de Melo, era ponto de passagem quase obrigatório de Ronaldo após o treino. Ali o garoto ganhava do pai do amigo um misto quente, refrigerante e, não raro, algum dinheiro para a passagem, recorda Juninho.

Das jornadas de ônibus, Juninho se recorda do mede de altura do Ronaldo. “Quando os treinos aconteciam na sede náutica do São Cristóvão (na entrada da Ilha do Governador), a gente atravessava passarela sobre a Avenida Brasil para pegar o ônibus no ponto final. Eu andava rápido para passar logo, mas ele vinha bem devagar, fechando os olhos, morrendo de medo”, lembra.

Já naquela época, Ronaldo mostrava certa indolência para treinar. Sobretudo nas segundas-feiras, dia de atividade física. Certa vez as faltas lhe renderam uma punição do técnico Luís Antônio, chamado pelos jogadores, em segredo, de “Luís Palavrão”, cujo apelido dispensa maiores explicações.

O treinador decidiu dar uma lição no garoto e barrou Ronaldo em um jogo importante contra a Portuguesa. Do banco, o jovem viu seu time vencer por 1 a 0, gol de Juninho. “O técnico me disse antes do jogo: ‘vou barrá-lo para ele aprender’. Ele só entrou no finalzinho. Chovia muito”, conta.

Acordou, saiu de casa e virou o jogo
Naquele dia Ronaldo não fez falta. Mas o normal era tê-lo como referência em campo, status que se acostumou a carregar pelo resto da carreira. Em um jogo contra o Botafogo, em Marechal Hermes, na zona norte do Rio, todos os garotos do São Cristóvão chegaram cedo para a partida. Faltava Ronaldo. E sem o craque da equipe a partida começou. Pior para o time visitante, que perdia por 1 a 0.

Enquanto isso, dirigentes e pais de jogadores decidiram buscar Ronaldo em casa, em Bento Ribeiro, bairro próximo a Marechal Hermes. “Contaram que ele estava dormindo quando chegaram”, recorda-se Juninho. Ronaldo entrou no segundo tempo, marcou dois gols e foi decisivo na virada para 3 a 1.

Reencontro no baile funk
Por atuações como aquela em Marechal, o nome de Ronaldo ganhava o mundo do futebol de base do Rio. A história a partir daí é conhecida: o garoto foi jogar no Cruzeiro, Seleção e ganhou a Europa. Juninho só reencontrou Ronaldo “há uns dez anos”, tenta lembrar. “Foi no (baile funk) do Castelo das Pedras (na comunidade de Rio Das Pedras, na zona oeste do Rio). Ele se lembrou de mim na hora, que eu era o filho do Geraldo”.

Ronaldo já era o Fenômeno da Inter de Milão quando recebeu o zagueiro Julio César, o jovem irmão de Juninho, filho de Geraldo, no CT de Appiano Gentile, no fim da década de 90. O defensor tinha a carreira administrada pelos empresários Reinaldo Pita e Alexandre Martins, que também cuidavam dos negócios de Ronaldo. Por esse caminho, Julio chegou à Itália para repetir o mesmo caminho trilhado por tantos jovens brasileiros.

"Tem pé-frio aqui"
Aos 17 anos, Julio mal tinha saído da Penha, bairro onde cresceu, em uma rua sem saída e de vida pouco agitada, típica do subúrbio carioca. Enquanto aguardava uma chance no time principal, treinava ao lado de feras como Recoba, Taribo West e Zé Elias. “O Ronaldo conversava comigo, dizia que era muito grato pelo o que meu pai (que ganhou uma camisa autografada pelo craque) fez por ele, e para eu trabalhar que daria tudo certo. Mas também gostava de tirar uma onda”, diz Julio, que deixou de jogar em 2008, pelo América, após passar por Flamengo e Volta Redonda.

“A gente quase sempre ia junto para o CT no carro dele, já que eu ainda não dirigia. Ele às vezes gostava de brincar, deixava o aquecedor do meu acento no máximo. Eu não conseguia sentar. Depois dizia: ‘pensa que é malandro, carioca?’”, lembra. Uma das brincadeiras chegou a tirar o sono do garoto.

Após um jogo em que perdeu um pênalti, Ronaldo deixou o vestiário aborrecido e correu para dentro do carro, onde já aguardavam Julio e a então namorada do Fenômeno, Susana Werner. “Ele chegou dizendo que tinha pé-frio no estádio. Ficava olhando para mim e falando: ‘nunca veio ao jogo, quando vem eu perco pênalti. Nunca perdi. Tem pé-frio aqui’. Eu fiquei preocupado. Não esqueço da cena: ele sentado na cozinha de casa, com a Susana, repetindo isso. Nem consegui dormi”, diz.

Julio passou quatro meses na Inter até ser emprestado para o Empoli. Neste período, passou três meses morando em um hotel, com tudo pago pelo clube. Depois, Ronaldo chamou Julio para morar com ele. Foi então que conheceu de perto os hábitos de um Fenômeno na intimidade do lar, que tinha uma bandeira do Brasil e outra do Flamengo em seu quarto.

Pirulitos nas folgas

“Eu via pouco o Ronaldo em casa, porque ele sempre tinha muitos compromissos, mas sempre me deixava à vontade para abrir a geladeira e pegar o que quiser. Mas quando ele estava de folga, eu ficava sem graça de pedir as coisas. Eu ficava ali, cheio de vontade de tirar uma foto com ele. E o Ronaldo estava lá, no sofá, assistindo esportes na televisão com um saco cheio de pirulitos. Ele ganhava muitos doces dos fãs”, diz Julio, que se recorda bem da legião de fãs que seguia o Fenômeno.

“Havia uma senhora que esperava Ronaldo todos os dias em frente ao CT para cumprimentar o Ronaldo. Ela fazia isso todo dia. E tinha sempre um grupo que, quando via o Ronaldo parava para fazer reverência”, conta.

A cena deve se repetir nesta terça-feira, quando Ronaldo se despede da Seleção no amistoso contra a Romênia, no Pacaembu. Será a chance dos brasileiros fazerem a última reverência a um dos seus maiores jogadores da história e retribuir tudo o que o garoto que tinha medo de altura fez com a camisa verde e amarela.
     
Fone Eband




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